quarta-feira, 11 de maio de 2011

Olhares - por Rubem Alves

Os olhos são órgãos marotos. Mesmo perfeitos não são dignos de confiança. "Não vemos o que vemos, vemos o que somos". escreveu Bernardo Soares. A gente pensa que os olhos põem pra dentro o que está longe, lá fora, quando o que os olhos fazem é por lá longe o que está dentro.

É o caso dos olhos do pai e os olhos do apaixonado por sua filha... Olho de pai é olho que se educou com a vida. Conhece a menina; a viu nascer, crescer, voar, cair... Alegrou-se nos dias de sol, entristeceu-se nos dias de sombra e escuridão.

Os olhos do apaixonado são diferentes. Neles mora uma pitada de loucura que se chama fantasia. O apaixonado vê como realidade aquilo que existe dentro dele como sonho. Versinho de Fernando Pessoa: "Quando te vi, amei-te já muito antes". Traduzindo: vejo no seu rosto o rosto que já morava dentro de mim, adormecido... O apaixonado é um porta-sonhos.

A paixão obscurece os olhos que se põem então a construir mitos. E os mitos podem ser enganadores. O que são mitos? Mitos são sonhos transformados em poesia. E a poesia tem poderes mágicos de transformar e de dar vida. Quem explica o mito é Fernando Pessoa: "O mito é o nada que é tudo;/ Sem existir, bastou./Por não ter vindo foi vindo e criou./ Assim a lenda se escorre a entrar na realidade/ E a fecundá-la decorre."

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